O meu Brasil certamente não é o mesmo que o seu. Podemos até frequentar algumas bolhas comuns, ou ser da mesma família. Mas o meu Brasil é tingido com as cores das minhas crenças, conhecimentos, relações, leituras, pontos cegos, valores, virtudes, defeitos e sonhos.
Daqui da minha varanda, observando os pássaros que cantam sem se importar com o resultado das últimas eleições presidenciais, eu estou refletindo sobre quantos e quais Brasis compõem o nosso imenso país tropical, abençoado por Deus.
Existem Brasis de pé descalço, de areia movediça, de fome contundente, de jatinho particular.
Existem Brasis de crianças e jovens que passam o dia nas redes sociais e de outros que passam longe do acesso à internet. Rede? Só se for aquela de pano para dormir.
Existem Brasis que acolhem um doente em quarto com ar condicionado e outros que nem quarto tem.
São muitos Brasis. Alguns recortes destes Brasis chegam mais perto de mim, através de histórias compartilhadas, vivências no trabalho e viagens. Outros, mais distantes, se revelam pelas mídias e redes sociais. Eu certamente não dou conta de acessar todas as realidades que compõem este gigantesco verde-amarelo que traz em sua bandeira o legado da ordem e do progresso, aguardando o amor chegar. Será que alguém consegue acessar a totalidade do nosso Brasil?
Existe o Brasil do carnaval, das festas religiosas, do futebol, do samba e da capoeira. O Brasil da arte de rua com suas cores e movimentos.
Existe o Brasil da dor e da alegria, do medo e do amor, da desesperança e da esperança.
O sotaque canta diferente em cada ponta, a temperatura muda de norte a sul, as águas doces e salgadas banham diferentes histórias.
Existe o Brasil da floresta e da caatinga, das enchentes e da seca, das frutas exóticas, do prato na mesa farta e do prato vazio.
O Brasil dos índígenas não é nem de longe o mesmo dos empresários, que nada se parece com o do homem da roça ou da mulher bordadeira. Ciganos, veganos, baianos, paulistanos... De cada ponto de vista, a vista de um ponto.
Penso em quais Brasis moram o ativista, o economista, o esportista, o artista, o ambientalista, o taxista, o ruralista, o especialista, o cientista, o jornalista. E também os estudantes, governantes, imigrantes, militantes, bandeirantes, assaltantes, comandantes, ambulantes. São muitos Brasis.
Nosso Brasil é muito maior do que um único olhar é capaz de abarcar. Esta imensidão cultural, ambiental, social e emocional nos convida a abraçar a diversidade com gentileza e respeito. Podemos aprender uns com os outros, neste caleidoscópico tão amplo e profundo como o mar que banha nossa terra. Estamos prontos?
Do olhar de cada brasileiro, são mais de 215 milhões de visões. Algumas se irmanam por afinidades de todo tipo, outras se estranham na mais alta vibração. Como pode ser - nos perguntamos tantas vezes - tal pessoa ver um Brasil tão diferente do meu?
Pois é, querido leitor. Levante a mão quem não viveu isso nos últimos meses, dentro da própria família, entre amigos, na comunidade ou no trabalho. De qualquer lado da estrada, o sentimento tantas vezes foi igual, apesar de todas as diferenças.
Talvez algumas verdades de hoje se tornem mentiras amanhã. É bem possível que muitos de nós usemos em algum momento da história a frase: "Eu me enganei". Quem não? Isso mostra que a vida é movimento, que somos eternos aprendizes, que podemos nos transformar e que ninguém é soberano quando se trata de ver a realidade.
O panorama atual tão complexo e polarizado me leva a crer que a última atitude que precisamos cultivar é a militância das certezas.
Não construiremos um Brasil colorido pautado em perdedores e ganhadores, isso só alimenta uma competição tóxica e destruidora. Não podemos ignorar que nosso país é a casa de todos que aqui nasceram ou escolheram viver.
Podemos ter nossas diferenças e mesmo assim lutar pelo que acreditamos. Podemos criar estratégias e ações políticas divergentes, porém não inimigas. Discordar radicalmente é legítimo, mas ofender, destruir ou ridicularizar quando nos indignamos com determinada posição pode levar para um lugar perigoso.
Neste novo tempo, o Brasil não precisa de falas raivosas, piadinhas que denigrem imagens públicas ou comportamentos revanchistas. Separar as pessoas conforme suas visões - nós e eles - é a escolha mais fácil, porém está longe de ser benéfica ao coletivo mais amplo.
Eu sonho com um Brasil integrado. Que os brasileiros aprendam a acolher a diversidade com ternura e saibam dialogar para enxergar além das próprias verdades. Hoje isso parece impossível. Mas é sempre bom lembrar: é quando o impossível é desafiado que a história muda para sempre...