#NOFILTER

É comum ver nas redes sociais fotos bonitas, especialmente de natureza, com a hashtag #nofilter.
É como se o "embelezamento artificial" estivesse naturalizado. Quando é autêntico tem que avisar. E as pessoas comentam surpreendidas: "Nossa! Que céu! Sem filtro?! Uau!"
O filtro se infiltrou. No céu, nas árvores, na modelagem do corpo, no tom da pele, na quadratura do queixo, no branco do sorriso.
Meu notebook veio com um studio de edição embutido. Cada vez que ligo o zoom, o aplicativo aparece automaticamente para que eu possa colocar um batom, mudar o tamanho dos meus olhos, alterar a pele e outros detalhes de expressão. Chocante.
O que sobra? Como navegar neste tempo pós-moderno sendo apenas nós mesmos? Porque o fabricado se tornou tão glamouroso e o autêntico uma raridade esquecida?
Do universo virtual onde tudo pode ser transformado, colocamos também esta filtragem no mundo real. Parece cada vez mais difícil encontrar um rosto sem botox, uma expressão sem retoques, um corpo sem enxertos ou mutilações. Peço desculpas pela sinceridade, não quero ofender ou desqualificar qualquer escolha. Mas sinto tristeza quando vejo - enquanto fenômeno da nossa era - a indústria da beleza sendo tão venerada.
Esta normalização da "fake-beleza" acaba criando e sustentando um padrão inatingível e confuso, no qual somos levados a acreditar e perpetuar. Especialmente entre jovens que se alimentam do glamour das redes sociais e de mulheres de meia idade como eu, que relutam para assumir o cabelo branco, as rugas de expressão, a barriguinha indesejada.
Se chegamos ao ponto de ter que avisar #nofilter quando uma foto é especial, significa que lá no fundo, talvez inconscientemente, acreditamos que o autêntico é menos bonito do que o fabricado.
E é aqui - exatamente neste ponto - que eu peço licença para discordar. Porque como já dizia Clarice Lispector "a realidade é inacreditável".
Para ver o inacreditável da realidade, precisamos treinar nossos sentidos. Beleza precisa de conexão. Ela nos pede passagem o tempo todo, mas estamos muito ocupados com coisas urgentes e importantes. Não temos tempo para levantar os olhos para o céu, ouvir o arrulhar do beija-flor, cantar para um bebê, cheirar alecrim, acariciar um bichano, assoprar um dente de leão, sentir o vento no rosto, abraçar uma criança, dançar a vida ou simplesmente agradecer. Achamos que precisamos fabricar a beleza, como se ela já não existisse.
A realidade é mesmo inacreditável. Não precisamos de tantos filtros, nem para embelezar o que nos cerca e nem para esconder quem somos. Nenhum efeito instagramático se sobrepõe ao brilho dos olhos quando a alma está acordada.
Uma mulher que sorri sua história em rugas e riscos é tão esplendorosa como uma árvore centenária de raízes fortes e frutos doces.
Talvez estejamos entrando em um tempo no qual precisamos aprender que glamour demais esconde o que a verdade reflete. Entender que quanto mais essencial, mais vivo. Não cair na tentação de envernizar em vez de revelar. Adentrar no labirinto emocional e ir além das promessas vazias. Atrever-se a cavocar a terra interior para descobrir nossas sementes de beleza escondidas.
Em qualquer hora, em qualquer lugar, podemos encontrar beleza. Até mesmo a vulnerabilidade é bela. A beleza da autenticidade é viva, vestida de intensidade, uma aquarela de emoções. Que nós, enquanto humanidade, possamos vivê-la em toda a sua plenitude. Sem filtros.

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